Vozes insurgentes de mulheres negras: Cidinha da Silva
Carta à Faculdade de Direito da Universidade Federal da
Bahia
1. Biografia
Maria Aparecida da Silva, mais conhecida como “Cidinha da
Silva”, nasceu em Belo Horizonte no ano de 1967. É uma escritora brasileira,
dramaturga e editora. Criadora de 15 obras autorais, destacando-se a Série
Melhores Crônicas de Cidinha da Silva - volumes 1 e 2 (2019) e #Parem de nos
matar! (2016). Tem textos publicados em espanhol, francês, catalão, italiano e
inglês. Graduou-se em História pela Universidade Federal de Minas Gerais.
Presidiu o Geledés - Instituto da Mulher Negra (é uma organização política
brasileira de mulheres negras contra o racismo e sexismo, tendo como principal
objetivo erradicar a discriminação presente na sociedade que afeta indivíduos
com essas características, sem desencorajar a luta contra todas as restantes
formas de discriminação, tais como a homofobia, a discriminação baseada em
preconceitos regionais, de credo, opinião e de classe social, tendo em vista
que todos os alvos de discriminação são afetados pela iniquidade que tende a
restringir a fruição de uma plena cidadania) e fundou o Instituto Kuanza
em 2005, que promove ações de educação,
pesquisa, ações afirmativas e articulação comunitária para a população negra.
Também foi gestora de cultura na Fundação Cultural Palmares (é uma entidade
pública brasileira vinculada ao Ministério da Cultura, que tem como missão os
preceitos constitucionais de reforços à cidadania, à identidade, à ação e à
memória dos segmentos étnicos dos grupos formadores da sociedade brasileira,
além de fomentar o direito de acesso à cultura e à indispensável ação do Estado
na preservação das manifestações afro-brasileiras).
A escritora possui forte engajamento com a causa negra e com
questões ligadas às relações de gênero. Suas publicações encontram-se, assim,
alinhadas a tais temáticas, no intuito de promover maior espaço de reflexão
sobre as identidades tidas como subalternas. Escritora, posicionada
politicamente e portadora de aguçado senso crítico, transmite nos seus
trabalhos o sentimento de indignação e revolta ao racismo que, para ela, muitas
vezes, está amparado por formas cordiais e afetuosas no dia a dia. Em Cada
Tridente em seu lugar, seu primeiro livro, abordou as ações que visam garantir
o acesso e a permanência do negro nas universidades. Depois passou pela
literatura infantil com os livros Os Nove Pentes D’África (Mazza Edições,
2009), Kuami (Nandyala, 2011), o Mar de Manu (Kuanza Produções, 2011), se
permitindo fabular e resgatar da africanidade brasileira os valores de amizade,
amor e esperança. Em “Um Exu em Nova York”, seu primeiro livro de contos, ela
“apresenta uma perspectiva contemporânea e ficcional do cotidiano sobre temas
como política, crise ética, racismo religioso, perda generalizada de direitos
(principalmente por parte das mulheres), negros e grupos LGBT.
Como escritora e prosadora, usa sua liberdade para imaginar,
criar, reinventar e quebrar diversos paradigmas da literatura afro brasileira.
É simbólico que esse resgate se dê, sem dúvidas, pelas mãos de outras mulheres
negras. Vozes de mulheres que romperam com o silenciamento a elas imposto,
primeiro pela condição de escravizadas, depois pelo colonialismo, o racismo, o
sexismo, as discriminações e a desigualdade de classes. Lê-las é uma oportunidade
de evidenciar a luta das mulheres e o atual feminismo negro brasileiro.
2. Por que ler Cidinha da Silva?
Cidinha é uma escritora contemporânea, que se baseia na
realidade social para escrever. A sua escrita é composta de denúncia, e por
alerta, o que a torna curiosa, e que nos fazem pensar “fora da caixinha”.
É importante ler Cidinha da Silva, por dar voz, atenção e
reconhecimento ao negro pela sua literatura. É importante para retirar o papel
da insubmissão da mulher negra na literatura. Cidinha precisa ser lida, não só
por esses motivos, mas mais do que isso, é porque ela tem o conteúdo, que
muitas vezes possuímos através de escritos por mãos brancas e européias que não
conhecem sobre a nossa realidade. Cidinha deve ser lida, por ter conhecimento e
ser capaz de dizer o porquê da nossa sociedade ser falha e perpetrar o racismo
na história durante tanto tempo.
A sua escrita, nos trás de alerta para que conheçamos a
realidade como ela é, e nos trazem um olhar cético e crítico para que o negro
não vire dado estatístico.
Quem é mais preparado do que o próprio negro, para se
posicionar em seu lugar de fala com o respaldado em conhecimento prévio para
uma argumentação fundamentada? Onde não é mais o negro objeto de estudo, e sim
o pesquisador.
Por conta disso, diante do fator pesquisador, a Nubia Regina
Moreira em resenha do livro #parem de nos matar, de Cidinha da Silva, traz a
abordagem da última sobre os três tipos de morte: simbólica, institucional e
física.
A morte simbólica ela fala que seriam os espaços dos quais
não é reconhecido ao negro, e por mais que venha a possuir capital econômico,
ele não teria o capital simbólico, ou seja, a pele branca. Diante disso, traz o direito da cidade, que é
muito importante para nós no Direito. Pois, este direito é negado aos corpos
negros, ele é limitado, como, por exemplo, em perseguições a rolezinhos, em que
ela cita no shopping de São Paulo. Com base nisso, ela acrescenta sobre o
processo de gentrificação, onde os pobres são expurgados dos centros das
cidades para as periferias e confinados nelas, confinados também o direito
básico de ir e vir, principalmente estando na presença de policiais.
Na morte institucional, ela cita a distribuição de riquezas
sociais que lesam os negros e os pobres, que facilmente sabemos que possuem uma
interseccionalidade entre eles. Onde são negados direitos igualitários como o
aparato político, a saúde, educação e emprego.
E por último, a morte física das quais ela conta estarem
estampados nos jornais, e naturalizados. A cor de pele negra passa a ser perfil
do criminoso, é chamado por “elemento suspeito” e a morte não causa mais
sensibilidade à população.
E o que a Cidinha faz é o papel inverso, ela abre os nossos
olhos para a política racial genocida, onde questiona a política das “guerras
as drogas” e onde reúne vários tipos de acontecimento aos negros, que retiram a
naturalização e trazem a sensibilização no caso real e concreto. Não é só
teoria, é exemplo verídico.
Todos os seus escritos nos deixam conectados com ela e com a
nossa realidade, seja com seus livros, seja com as suas redações em blogs ou
sites. Ela tem tanto a história – que
obtém atrás de suas pesquisas – quanto a sua vivência ao seu favor. Ela tem
lugar de fala e embasamento teórico e empírico sobre o assunto.
Ela deve ser lida porque facilmente se liga com nosso
conteúdo quando diz:
“Ainda no período escravocrata os corpos negros eram punidos,
vilipendiados, torturados e mutilados, porque podiam ser substituídos com
facilidade. As surras naquele período eram constantes para adestrar os corpos
negros, assim como as ameaças policiais de hoje, aos primeiros suspeitos em
qualquer situação.” (SILVA, 2017)
Associamos tranquilamente sua fala com os autores estudados
no programa de Sociologia Jurídica, como a Thula, o Gorender e o Kelsen, quando
falam do castigo dado ao negro, os “baculejos”, tapas na cara, as não sanções.
A Cidinha escrutina a violência e o extermínio. E mostra a
resistência diante deste abismo. Portanto, ela nos alerta a “juventude funkeira
e negra era também a juventude universitária e os golpistas queriam barrar
aquela ascensão.” (SILVA, 2017) Além disso, vem a nos chamar atenção aos
assassinatos, desaparecimentos e também nos retira a ideia de que o negro é
vitima de racismo, e diz que na verdade o negro é o alvo.
Ler Cidinha é também refletir:
Por que as mortes de pessoas negras e violências raciais
contra elas não provocam uma crise ética? O que fazer diante das pessoas que
sobreviveram a mortes e desaparecimentos tão aviltantes? (SILVA, 2017)
E sua resposta de imediato é: “prosseguir, via literatura,
no exercício de agenciamento de uma produção de sentidos sobre nós mesmos.”
(SILVA, 2017) É também pensar que “Só depois, se sobrevivermos ao susto e à
violência, a poesia nos acalentará”. (SILVA, 2017)