Neusa Maria Pereira

em 19 de set. de 2019



Salvador, 09 de setembro de 2019.
À Comunidade Acadêmica e aos Trabalhadores da Universidade Federal da Bahia
Vozes insurgentes de mulheres negras: Neusa Maria Pereira
BIOGRAFIA
Neusa Maria Pereira nasceu no dia 24 de agosto de 1955 na cidade de São Paulo. Formou-se em jornalismo pela Faculdade Cásper Líbero, e trabalhou como repórter e revisora em importantes jornais. Foi uma das criadoras da seção Afro-Latino-América do jornal Versus, periódico da imprensa alternativa, de cunho socialista, que existiu durante a ditadura civil-militar, entre 1975 e 1979. Ela foi uma das principais ativistas antirracistas da época, que mostrou resistência ao regime principalmente no que se refere ao combate ao racismo, com o objetivo de desmistificar a ideologia imposta de democracia racial existente no Brasil. Ela é uma das fundadoras do Movimento Negro Unificado, movimento que surgiu em plena ditadura militar com o objetivo de agregar a discussão da questão racial à política nacional, e se tornou um marco referencial histórico na luta contra a discriminação racial no país. Em uma entrevista, Neusa Maria Pereira, comenta que: “Sou jornalista profissional há mais de 40 anos, trabalhei em alguns dos mais importantes jornais da cidade de São Paulo, entre eles, o Diário de São Paulo, Diário do Comércio, Editora Abril, Folha Metropolitana, Revista Panorama da Justiça, além de ter sido freelancer nas revistas Nova, Quatro Rodas, Supermercado Moderno entre outras. Participei não só como repórter, mas também como editora do Jornal Versus, importante publicação de tendência socialista que circulou em São Paulo na década de 70. 
Após apresentar aos editores do Versus um texto que falava da discriminação sofrida pela mulher negra os editores convidaram-me para trabalhar com eles. Chamei os colegas Jamu Minka e o falecido Hamilton Cardoso e criamos o Afro-Latino América que foi a primeira editoria escrita por jornalistas negros dentro de um jornal brasileiro (jornalistas brancos e negros).  Participei como contista da  2ª edição dos Cadernos Negros, com dois trabalhos do qual destaco o conto Tião Tião, anteriormente publicado no Versus e muito elogiado pela crítica. Fui uma das pioneiras a escrever sobre a discriminação da mulher negra. Graças a repercussão do meu trabalho começaram a surgir os primeiros grupos em prol dos direitos das mulheres negras. Recebi o prêmio Winnie Mandela pelo meu trabalho contra a discriminação racial na imprensa, ortogado pelo Sindicado dos Jornalistas Profissionais do Estado de São Paulo.
Em junho de 1978, participei de um momento histórico do século XX que foi o 1º ato público contra discriminação racial realizado na escadaria do teatro Municipal de São Paulo.”
Do exposto pode-se ter uma pequena noção da coragem e força desta mulher, que em pleno regime de exceção (que previa uma série de supressão de direitos), confrontou o mito da Democracia Racial existente no Brasil, ideologia fortemente defendida pela ditadura, como vimos no trabalho de Thula Pires. Esta mulher usou a arma mais poderosa que possuía para combater os males que lhes afligia e massacrava seu povo: a palavra. Primeiramente fez uso poderoso da palavra escrita. Nas páginas do jornal Versus, especificamente na seção Afro-Latino América, denunciou uma série de abusos a que estavam submetidas mulheres negras. O texto que inaugurou esse enfrentamento é intitulado: “Pela
Mulher Negra”, onde denuncia a objetificação sexual da mulher negra, vista ainda como de fácil consumo por quem quer que seja.
Neusa Pereira expôs ainda os motivos pelos quais a mulher negra teme sua própria beleza, seu próprio corpo. São resquícios dos abusos a que nossas ancestrais até pouco tempo estavam submetidas, ao serem estupradas por seus senhores e receberem o estigma de “eternas prostitutas”.
Mas também de forma poderosa, fez uso das palavras que ecoaram das gargantas de negros e negras no dia 18 de junho de 1978, na Praça da Sé, em São Paulo. Nas escadarias do Teatro Municipal foi realizado o “Ato público contra a violência, discriminação e o racismo”. Neusa Maria Pereira estava lá bradando por todas as mulheres negras que lutam incansavelmente. No texto acima mencionado a própria autora ressalta que: “A luta é companheira da mulher negra, sempre, desde o seu nascimento. Nos tempos pós-abolição, quando os negros foram soltos no mundo sem eira nem beira, com seus serviços substituídos pelo dos imigrantes, ela manteve a dignidade da família, trabalhando nos fogões das tradicionais famílias brancas”. Este ato público representa o nascimento do Movimento Negro Unificado, que nasceu com o nome de Movimento Unificado Contra a Discriminação Racial.

Por qual motivo devemos estudar Neusa Maria Pereira na Faculdade de Direito?

Como visto, a autora foi ícone na luta contra o racismo durante a ditadura civil-militar. Lutou por direitos preliminarmente à partir das páginas de jornais, denunciando a violência a que estava submetida a população negra, sobretudo a mulher negra, parcela expressiva da sociedade. Todavia, foi precisamente a partir da fundação do Movimento Negro Unificado - MNU, que sua relevância para o Direito sobe de patamar e alcança significativa importância. Após dez anos de sua criação, o MNU participaria do processo de redemocratização do país, fazendo ser visto e ouvido o negro na Assembleia Nacional Constituinte de 1987-1988. Por iniciativa no MNU, foram formuladas preciosas propostas para a Constituinte, tais como: criminalização do racismo e sua inafiançabilidade, o princípio da isonomia no mercado de trabalho (até hoje vemos que em certas lojas, como de carros, principalmente carros de luxo, ou lojas de perfumes caros, hotéis 5 estrelas, os vendedores ou atendentes são geralmente brancos, isso sem falar nos apresentadores de TV), além de medidas que busquem erradicar o analfabetismo e mortalidade infantil, regulamentação e demarcação das terras de comunidades quilombolas, adoção de ações que reformulem o currículo escolar com vistas a valorizar a cultura africana e o reforço de uma imagem positiva do negro nos meios de comunicação.
“A sociedade capitalista se apresenta como sociedade do espetáculo. Importa mais do que tudo a imagem, a aparência, a exibição. A ostentação do consumo vale mais que o próprio consumo. A aparência se impõe por cima da existência, parecer é mais importante do que ser" (GORENDER, Jacob. 2005). Fazendo uma breve analogia com o juízo de Gorender, podemos perceber uma conexão entre o pensamento de Neusa e a apresentação da sociedade como um espetáculo. Nesse sentido, evidencia-se de sumo importância o estudo de Neusa Maria Pereira
na seara do Direito, mais incisivamente no Direito Constitucional.
“Lutamos contra o racismo camuflado existente nas empresas, que somos obrigadas a encarar, pensando no pão de cada dia, amargo como fel para engolir. E a gente enfrenta isso como pode. [...]. Com sacrifícios a mulher negra brasileira tenta melhorar o nível de vida. E para isso estuda. Algumas chegam à Universidade, tentando alcançar uma colocação melhor e dinheiro. Nessa procura do que julgam ser direito, sofrem todas as penas do inferno na concorrência com a mulher branca.” (MARIA, Neusa. P.66)
Como pode-se perceber, a própria autora aborda temas diretamente ligados ao Direito, o que só reforça a ressalva da importância do seu estudo no campo jurídico. O racismo é um fato, um fato que de inúmeros modos se expande e atinge os mais variados níveis e escalas da sociedade. Observa-se através de números, como o de negros nas universidades, nas celas, no mercado de trabalho ou em profissões denominadas de elite. Destarte, nós, operadores do Direito, temos responsabilidade direta no combate e erradicação desses problemas sociais que persistem há anos. Para que se possa alcançar, segundo a própria autora, um “novo estágio social”, o estudo do Direito como fato social é imprescindível.

Autores: Ramon Augusto Souza Pereira e Rodrigo Santos Mascarenhas.

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