Antonieta de Barros

em 26 de set. de 2019



À
Comunidade Acadêmica e aos Trabalhadores da Universidade Federal da Bahia Faculdade de Direito

   Vozes insurgentes de mulheres negras: Antonieta de Barros



Biografia
Nascida em 11 de julho de 1901, Antonieta de Barros, cujo pseudônimo é Maria da Ilha, surgiu junto com um novo século, em que as desigualdades de oportunidades e de direitos teriam de ser revistas e transformadas a qualquer custo. E não foram poucas as barreiras superadas: mulher, pobre, negra, jornalista, fundadora e diretora do jornal A Semana (entre 1922 e 1927), Antonieta teve de impor seu lugar e sua fala em um contexto nada afeito às opiniões e à força feminina – coragem essa que viria lhe catapultar à condição de primeira mulher deputada do estado de Santa Catarina, e à primeira deputada estadual negra do Brasil.
Filha de uma lavadeira e escrava liberta com um jardineiro, Antonieta nasceu 13 anos somente após o fim da escravidão no Brasil. Muito cedo se tornou órfã de pai, e sua mãe então, para ampliar o orçamento, transformou a casa em uma pensão para estudantes em Florianópolis. Foi através dessa convivência que Antonieta se alfabetizou, e assim começou a entender que, para se libertar do destino nada generoso reservado às jovens negras, seria preciso o extraordinário, e assim conseguir escavar um outro caminho para si. E, na época como ainda hoje, o extraordinário reside na instrução. Pela educação que Antonieta pôde libertar-se também da escravidão social que naturalmente lhe era imposta, apesar da abolição. Cursou regularmente a escola e o curso normal até se formar professora.

Resistência pessoal e política de Antonieta de Barros

Mais uma pela negra, de classe média baixa,  que teve um grande ensaio de resistência de luta em prol da existência dos negros, o nome da ilustríssima é Antonieta de Barros. Foi uma grande figura de resistência que com o seu legado ceifou muitos padrões de uma sociedade machista e opressora que tendia à visão de que os espaços das mulheres eram limitados principalmente sendo negra. Uma negra não podia ocupar qualquer espaço que eminentes masculinos, mas ela, a Antonieta conseguiu com sua determinação e coragem, ser a primeira parlamentar, negra no Brasil. Durante  sua vida teve sempre uma postura de resiliência, e sempre apta a lutar pela educação principalmente dos menos favorecidos.

Sempre preocupada com as causas sociais, durante sua trajetória fundou um programa beneficente para auxiliar jovens pobres, que ainda não tinham acesso à educação. Antonieta chegou a ser professora de Português e Literatura, uns anos depois da sua formação desenvolveu  “Curso  Particular Antonieta de Barros”, que visava justamente alfabetizar a população carente. Mas Antonieta de Barros não se limitou ao magistério; tornou-se oradora, jornalista, escritora e militante, com atuação na Liga do Magistério. Em 1934, ingressou na política através do Partido Liberal Catarinense, participando da Constituinte de 1935. Foi a primeira mulher de seu Estado a se eleger para uma cadeira na Assembléia Legislativa e a primeira mulher negra a ocupar esse posto no Brasil. Enquanto presidiu trabalhos no Congresso Legislativo dedicou-se a propostas relacionadas ao magistério, entre elas a que institui o dia 15 de Outubro como o Dia do Professor.

            Como pode ser observado, Antonieta  de Barros sempre apresentou uma personalidade forte, destemida, então, isso fez com que ela se tornasse  a cada  dia mais vista na sociedade que tendia e ainda tende inviabilizar a participação dos negros, claramente, ela rompeu vários paradigmas, ceifando barreiras, com o objetivo de conquistar seu espaço, que em seu tempo era predominantemente difícil, principalmente para as mulheres que carregava traços negros, pele negra... 
            Por seu exemplo de vida, foi criada a “Medalha de Mérito Antonieta de Barros”. Este prêmio homenageia as pessoas físicas e jurídicas que realizaram relevantes trabalhos ou se destacaram na defesa dos direitos das mulheres. Nossa primeira deputada negra empresta também seu nome ao “Prêmio Antonieta de Barros”, criado pela Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial e voltado para jovens comunicadores negros brasileiros e à Associação de Mulheres Negras Antonieta de Barros- AMAB, a qual tem como objetivos permanentes promover a valorização da mulher e combater o racismo e as discriminações raciais, dando visibilidade à história e memória de Antonieta de Barros.

            A autora faleceu em 28 de março de 1952, vítima de complicações diabéticas, mas é lembrada até hoje como mulher ilustre, que alimentava o sonho de construir um Brasil mais igualitário, com educação e trabalho para todos. Foi uma mulher atuante tanto como escritora quanto professora, mas sua atuação mais destacada foi na política.

Por que é importante para o campo jurídico conhecer o pensamento de Antonieta de Barros?

            Inicialmente, antes de falar sobre a relevância de estudar a autora no curso de Direito, é fundamental ter em mente a importância do projeto Vozes Insurgentes, que é mostrar mulheres negras, símbolos de luta e resistência, que escreveram sua própria realidade, sua vivência, enquanto vivemos em um sistema de mérito em que o “de fora” que é valorizado.
            A autora, enquanto mulher negra, usou a sua voz para relatar e reagir aos  problemas enfrentados pelo  movimento social negro, principalmente de mulheres negras, de modo a promover maior justiça social para aqueles esquecidos pelo Estado nas suas políticas públicas. Nesse sentido, estudar Antonieta de Barros é imprescindível para o Direito em virtude das bandeiras importantes que foram levantadas em sua luta política, como educação para todos, valorização da cultura negra e emancipação feminina. Um dos projetos, em suma, que ela também se envolveu foi em debates sobre os direitos civis, sociais e políticos, defendendo em específico os direitos de voto das mulheres.

A preocupação de Antonieta de Barros com a necessidade de garantir o acesso de mulheres ao ensino superior pode ser percebida em uma de suas colunas no  Jornal República, em que ela defende o acesso das mulheres ao ensino superior:

Não se pode negar, Santa Catarina tem progredido quanto ao ensino superior. [...] Há, contudo, uma grande lacuna na matéria de ensino: a falta dum ginásio, onde a Mulher possa conquistar os preparatórios, bilhete de ingresso para os estudos superiores. O elemento feminino vê, assim, fechados diante de si, todos os grandes horizontes. [...] O máximo de ilustração oficial, proporcionado às mulheres em Santa Catarina, está restrito a um curso de normalistas e nada mais. (12/07/1932).
            Antonieta também demonstra uma preocupação muito grande com os jovens, para ela nas mãos destes está sempre o futuro, e a arma que eles podem usar para que o futuro seja vitorioso ou não é a instrução. Esta crônica foi publicada na obra Farrapos de ideias:
A Escola, na sua função única, prepara as criaturas para a vida, - luta intensa e complexa. Os títulos podem envaidecer os nulos, os fátuos, mas não lhes permitem vencer. Só vencem os capazes. E a capacidade revela-se na ação. Só a instrução, só o livro, elevando o homem lhe dá o direito de ser homem; só a instrução consciente rouba as criaturas ao servilismo aviltante e procura alçá-las às cumiadas, onde o ar é puro e donde se descortinam todos os panoramas maravilhosos. (BARROS, 1937, p. 162)
            As reivindicações e a representatividade de Antonieta de Barros se faz de grande relevância para a sociedade, ao dar enfoque a diversas questões que, até hoje,tocam diretamente o direito, como a  participação feminina na política brasileira. Para maior enfoque, cumpre destacar que as mulheres compõem a maior parte do eleitorado brasileiro, segundo dados do Cadastro Eleitoral, são mais de 77 milhões de eleitoras em todo o Brasil, o que representa 52,5 % do total de 147,5 milhões de cidadãos aptos a votar no país. No entanto, ainda estão longe de conseguir se eleger e dar voz às pautas importantes para o feminismo, embora, na última década o país tenha dado um passo importante na luta por maior equidade na distribuição de parlamentares por meio da legislação eleitoral, especificamente, a Lei 9.504/1997 que, em seu artigo 10, § 3º, estabeleceu que cada partido ou coligação deve preencher pelo menos 30% de suas vagas para as candidaturas de mulheres. (Redação dada pela Lei 12.034/2009)
Um ranking de participação de mulheres de mulheres no parlamento elaborado em 2017 pela ONU Mulheres, em parceria com a União Interparlamentar (UIP), colocou o Brasil na 154 ª posição no que se refere à representação feminina entre 193 países. Segundo Antonieta de Barros, o afastamento da mulher no âmbito político não representava um fato “natural”, e sim se devia a fatores culturais como o machismo presente na sociedade.
Neste sentido, a história de Antonieta de Barros se constitui em verdadeiro marco na história do Brasil, com sua eleição em 1934 e a sua luta na defesa da educação e participação das mulheres na política. Para se ter uma noção da importância de sua história, no contexto da política baiana, Estado com uma população em sua maioria formada por negros e pardos, nas eleições de 2018, pela primeira vez na história uma deputada negra ocupou uma das 63 vagas da Assembleia Legislativa. Olívia Santana é a primeira mulher negra eleita como deputada estadual na Bahia, fato ainda mais surpreendente na Bahia, que  abriga a  cidade com o maior contingente de negros e negras fora da África, Salvador. Formada em Pedagogia, pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), ela atuou como vereadora por 10 anos na capital baiana, além de ter sido titular da Secretaria Municipal de Educação e Cultura, ela também dirigiu a Secretaria Estadual de Políticas para Mulheres (SPM).
            Essa ausência feminina no centro de discussões, nos fóruns de representatividade político-social era, à época, e ainda é, hoje, muito reveladora, pois mostra a política vista como um território masculino e branco. Qualquer ranhura nesse ambiente, causada, por exemplo, com a eleição de uma mulher, contraria a ordem que se queria natural das coisas. Antonieta de Barros, além de mulher, era negra e vinha de uma família pobre, ou seja, rompeu com sua presença vários estereótipos existentes.
No tocante ao Poder Executivo baiano, a prefeitura de Salvador ainda não teve um negro ou uma negra eleito como prefeito ou prefeita, tendo o professor Edvaldo Brito assumido esta posição no interstício de  agosto de 1978 e abril de 1979, nomeado pelo Governador Roberto Santos, após eleição indireta pela Assembleia Legislativa do Estado da Bahia.
Diante do exposto, conhecer Antonieta de Barros é de grande importância para o campo jurídico, político e social pela importância de contarmos uma nova história, que não “apague” personagens por conta de sua cor de pele e reconheça a importância de sua contribuição social para os avanços na busca de um Brasil menos racista, machista e legitimador  de desigualdades sociais.
A maior participação das mulheres nos cargos de poder, e ainda mais difícil para as mulheres negras, que vêm conseguindo espaço a pequenos passos, não é uma concessão, e sim prova do quão nossa sociedade ainda é machista, racista e sexista, sendo tais conquistas consequência da  luta de muitas Antonietas, da luta de coletivos de negros e negras e do avanço de políticas sociais nos últimos anos.
Neste sentido, a voz de Antonieta de Barros e sua história, são responsáveis pelos avanços vivenciados até o momento no Brasil, sendo estes frutos de sua luta e dedicação ao ensino, à vida política e uso da sua capacidade de escrita como forma de fomentar discussões importantes para a sua época e a nossa história como sociedade.
 Ademais, não se pode esquecer da necessidade de ampliação dos espaços de discussões das questões estruturais trazidas por Antonieta de Barros, o que incentiva que novos olhares sejam direcionados a elas, por meio da  imprescindível adoção de novas posturas.
O Direito, embora ainda seja um campo de reprodução de estruturas opressivas e seletivas, pode se configurar também como um importante campo de avanço nas reivindicações sociais e, portanto, um importante espaço de luta por reconhecimento de grupos socialmente excluídos.
Logo, por meio desta, a Faculdade de Direito da UFBA recebe o convite de formar profissionais da área jurídica que conheçam os personagens da sua história e a sociedade em que vivem como forma de garantir-lhes o empoderamento como cidadãos e a responsabilidade de garantir os direitos fundamentais estabelecidos na Constituição Federal para todos e todas, independente de raça, credo, religião, sexo ou orientação sexual.
Nas palavras de  Antonieta de Barros:
Toda ação precisa de um instrumento. O instrumento básico da vida é a instrução. Se educar é aprender a viver, é aprender a pensar. E nessa vida, não se enganem, só vive plenamente, o ser que pensa. Os outros se movem, tão somente. (…) Educar é ensinar os outros a viver; é iluminar caminhos alheios; é amparar debilitados, transformando-os em fortes; é mostrar as veredas, apontar as escaladas, possibilitando avançar sem muletas e sem tropeços…”
Por uma Faculdade de Direito que ensine os seus alunos a pensar criticamente as estruturas sociais, a não se calar diante da injustiça e da desigualdade social, e que tenham no exercício profissional a noção da sua obrigação de lutar para proibir os retrocessos e empoderar os mais fracos para que possam avançar cada vez mais, “sem muletas e sem tropeços”!

Autores: Amanda Gomes, Bruno Sodré, Carlos Alexandre de Jesus e Larissa da Silva.

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