Esperança Garcia

em 26 de nov. de 2019


À Comunidade Acadêmica e aos Trabalhadores da Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia,

Em primeiro lugar, é importante destacar que o estudo sobre a escrava insurgente Esperança Garcia é de suma importância para o curso de Direito da Universidade Federal da Bahia, inserido em um estado em que 81,3 % da população declara-se negra (preta ou parda). Esse dado é da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua).
A trajetória de resistência de Esperança Garcia é relevante para entendermos a real história do Brasil, especialmente o período escravocrata colonialista. Estudá-la é uma forma de promover a representatividade nos espaços acadêmicos, inserindo nos mesmos a compreensão da época, a partir de alguém que possui o próprio Lugar de Fala (termo destacado por Djamila Ribeiro, na obra “Lugar de Fala”) para retratar a crueldade do sistema escravista, já que foi protagonista dessa luta.
Tendo sido homenageada como a primeira mulher advogada do Estado do Piauí, é um absurdo que essa história continue sendo silenciada pela Academia, principalmente no curso de Direito. Lamentavelmente, nossas referências jurídicas – seja no corpo docente, seja em bibliografias - são, em regra, homens brancos, que se baseiam por teorias estrangeiras, tão alheias a nossa realidade. Tais teorias, de um modo geral, não levam em consideração o nosso vergonhoso passado escravocrata, bem como o racismo estrutural ainda presente na sociedade brasileira.
A baixa representação negra no corpo docente da Academia é comprovada pela pesquisa intitulada “Professoras Negras na Universidade Federal da Bahia – UFBA: Cor, Status e Desempenho”, realizada por Angela Ernestina Cardoso de Brito, professora de Comunicação Social da citada universidade. A autora analisa que na Faculdade de Direito, entre 2016 e 2017, havia 36 professoras brancas, 79 professores brancos, 1 professora negra e 2 professores negros.
A falta de professores negros dentro da Universidade Federal da Bahia resulta em alunos carentes de representatividade dentro desse ambiente acadêmico. Ao longo do curso de Direito, nota-se pouca exposição de pesquisadores e sociólogos negros. Quando nos restringimos aos fatores gênero e raça, observamos que para as mulheres negras, a situação é ainda pior.
O estudante então, durante todo o seu processo de formação profissional, se sente pouco representado e, ao chegar no mercado de trabalho não é diferente. A falta de profissionais semelhantes a si faz com que as mulheres, especificamente, se submetam aos mais diversos tipos abusos com intuito de tentarem serem aceitas em suas respectivas profissões.
Na segunda metade do século XX, as mulheres passaram a estar cada vez mais presentes em cargos que, antes, só eram ocupados por homens. Na advocacia não foi diferente. A partir da década de 30, a advocacia feminina cresceu em uma progressão geométrica de modo que, nos dias atuais, dependendo da zona seccional da OAB, supera o efetivo de homens. Todavia, as mulheres permanecem sendo tratadas de maneira distinta, pois vivemos em uma sociedade machista e misógina na qual ainda se duvida da capacidade intelectual da mulher.
Lamentavelmente, é perceptível a presença minoritária das mulheres em altos cargos nos escritórios advocatícios. Os homens tornam-se facilmente sócios desses escritórios enquanto as mulheres que chegam ao topo dessas organizações são poucas.
Tais dados comprovam a baixa efetividade do art. 3º da Constituição Federativa de 1988, o qual afirma que um dos objetivos da nossa República é “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. ”. Nesse sentido, é indubitável a presença do racismo estrutural no nosso país, sendo resultado dos 3 séculos de escravidão a que foi cruelmente submetida a população negra. Após a abolição formal da escravidão, não houve a devida reparação, e o abandono a que os negros foram relegados levou-os, na enorme maioria dos casos, a uma vida de desmedidas dificuldades de sobrevivência.
Desse modo, é possível afirmar que, até os dias atuais, são percebidas as severas sequelas deixadas pelo período escravocrata. A mulher negra, então, foi muito atingida pelo nefasto processo, pois, ainda enfrenta, além de reações tipicamente racistas, evidentes manifestações de velado machismo, traço esse ainda presente, lamentavelmente, na nossa sociedade, dita evoluída.
A memória de Esperança Garcia, merecidamente, deve fazer-se presente nos dias hodiernos, em cada situação em que seja negada à mulher negra as mesmas condições de oportunidade e respeito dispensadas a quem se diz branco. Portanto, na condição de futuros aplicadores do direito, devemos estar preparados para reduzir as mazelas sociais, afirma José Rodrigo Rodriguez. Assim, compreender as demandas das mulheres negras, a partir do entendimento de que sua condição é resultado da escravidão, é de fundamental importância para a realização dessa tarefa.
Att
Emilly Monteiro, Larissa Gonçalves, Marissol Santos

Nenhum comentário:

Postar um comentário



Topo