Salvador, 02 de setembro de 2019.
À Comunidade Acadêmica e aos Trabalhadores da Universidade
Federal da Bahia - Faculdade de Direito
Vozes insurgentes de
mulheres negras: Elisa Lucinda
BIOGRAFIA
Elisa Lucinda dos Campos nasceu em Vitória Espírito Santo no
dia 02 de fevereiro de 1958. Graduou-se em jornalismo e exerceu a profissão até
1986 quando se mudou para o Rio de Janeiro com a disposição de torna-se atriz.
Desde então começa a atuar no teatro, cinema e Tv. Em 1994 publicou o seu
primeiro livro de poesias “O semelhante”, que foi o embrião da peça de mesmo
nome que esteve em cartaz por mais de 6 anos no Brasil e exterior. Apresentou outras
peças, tendo inclusive, participado do Fórum de Culturas de Barcelona, nos
meses de junho e julho de 2004, onde foi efusivamente aplaudida pelo público.
Idealizadora e fundadora da Casa Poema, tendo como foco de atuação na
arte-educação.
Qual o porquê de
estudar Elisa Lucinda no direito?
Inicialmente, antes de falar sobre a
relevância de estudar a autora no curso de direito, devemos ter em mente que
Elisa Lucinda é uma mulher negra. Logo, essa característica traz a legitimidade
para o seu discurso, o qual Djamila Ribeiro afirma que todos têm lugar de fala,
mas isso não significa que todos têm igual acesso a espaços discursivos
privilegiados, nem que todos são capazes de produzir conhecimentos a partir de
perspectivas neutras ou descoladas de seu ambiente social. Muito pelo
contrário, o lugar de fala deve ser nomeado como forma de impulsionar discursos
emudecidos e de visibilizar as premissas não ditas que baseiam os discursos
sobrerepresentados. Nessa carta, Elisa Lucinda ocupa o lugar de fala da mulher
negra relatando e reagindo sobre os problemas da negritude na sociedade
brasileira.
“(...) Não importa, em geral, a quantidade de negros sem nome, sem sobrenome nobre que é assassinada diuturnamente nas favelas e periferias deste país. Ainda rola no imaginário brasileiro a ideia obsoleta de que “preto bom é o de alma branca”, é o sem voz, e há neste imaginário uma desvalorização da etnia negra como se houvesse para isso alguma defesa científica que apontasse no DNA de uma raça sua propensão à sub-humanidade.” (Por Elisa Lucinda, do jornal do Brasil)
Elisa Lucinda, como atriz e poeta utilizou
de toda sua fama como artista para desenvolver projetos que promovam a cidadania
e a consciência sobre a dimensão do racismo e machismo no Brasil. Assim, a
atriz sob o viés da poesia como uma poderosa arma a favor da inclusão
social, em 2008 criou a Casa
Poema, com a proposta de trabalhar a poesia dita
de maneira informal como uma conversa entre amigos,
aproximando-a do cotidiano do público e estimulando o fazer poético, visando produtos
como o curso regular de poesia falada, espetáculos teatrais, palestra,
seminários e projetos sociais. Os projetos desenvolvidos na Casa Poema que aqui
mencionaremos como relevantes para o direito são Palavra de polícia, outras armas, e Versos de Liberdade.
O projeto “Palavras de policia, outras armas” tem
como propósito reforçar apoiar a integração entre os vários órgãos públicos, as
organizações da sociedade civil, a polícia e a população. Sendo a poesia a
facilitadora do dialogo que irá construir as relações de democráticas, esses
são os passos necessários para inclusão social e garantia da cidadania efetiva.
A força da poesia nessa tarefa está no fato que um cidadão que consegue se
expressar utilizando-se de seus gestos, linguagens e expressões, pode tornar-se
um cidadão incluso numa sociedade cada vez mais competitiva, usando a palavra
como arma para promover a justiça.
Um dos
objetivos levantados pela coordenação, formada por Elisa Lucinda, Giovanna
Pires, Daniel Rolim e Marcelo Demarchi em conjunto com a OIT é:
- Apoiar o fortalecimento da autoestima dos profissionais, sensibilizando-os para sua relevância na vida cotidiana e despertando neles o compromisso com o conteúdo e as consequências da fala, fazendo-os entender a palavra como uma arma poderosa para ampliar o conhecimento, sua capacidade de escolha e autonomia.
Importante
mencionar que, segundo dados do 11º Anuário Brasileiro de
Segurança Pública (FBSP, 2017), apenas durante o ano de 2016, 4.222 pessoas
foram mortas no país, em decorrência de intervenções policiais. Durante esse
mesmo ano, o número de policiais assassinados (tanto em serviço quanto de
folga) chegou a 453. Essa realidade nos mostra a importância de projetos
como Palavra de policia, outras armas
que ao buscarem o alinhamento da policia com os princípios dos direitos humanos
e uma nova visão sobre os modos operacionais em relação a gênero e raça por
meio da poesia, direciona o ordenamento brasileiro para um direito mais justo e
sensível a realidade social.
A Casa Poema
em parceria com a OIT no Brasil, Fundação José Silveira e a Fundação da Criança
e do adolescente, desenvolveram o projeto Versos
e Liberdade. O projeto tem como objetivo a capacitação dos educadores que
trabalham com menores infratores e o fortalecimento da capacidade de expressão de jovens para
um retorno à escola e uma inserção efetiva no mundo do trabalho. Elisa Lucinda em entrevista sobre o projeto relata o
doloroso óbvio “quem está na cadeia e instituição socioeducativa é pobre, é
para pobre”. Para confirmar a fala trouxemos dados do SINASI 2015, em que
23.066 adolescentes estão cumprindo medidas socioeducativas de privação ou
restrição de liberdade, 20.19% estão no nordeste do país, a maioria pertence à
família de baixa renda e estavam fora da escola quando cometeu à infração, a
maioria dos jovens é negra ou parda. Versos
e liberdades visa a quebra dos estereótipos sobre essas crianças e
adolescentes, o fim da violência e da punição como resposta. Portanto o projeto
nos direciona para um o direito preventivo e de resocialização.
Na perspectiva do direito, é visível que a
representatividade de Elisa Lucinda se faz de grande relevância para a
sociedade, ao dar enfoque a um direito que, afinal se configura como um
importante campo de avanço de reivindicações sociais e, portanto um importante
espaço de luta por reconhecimento de diversas formas de existir. Promover a voz
de grupos marginalizados, nesse contexto, é essencial para garantir a
efetivação daquela emancipação social desejada pela Constituição de 1988 (cf.
art. 3º, IV da Constituição).
Autores: Letícia Sobrinho, Paulo Vinícius Rocha e Raquel Pamponet.
Autores: Letícia Sobrinho, Paulo Vinícius Rocha e Raquel Pamponet.
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