Salvador,
12 de Setembro de 2019.
Prezada
comunidade acadêmica da Faculdade de Direito da UFBA.
Esta
carta tem por objetivo convidar e explicitar os motivos pelos quais a
comunidade acadêmica de Direito deve ler e valorizar as obras de Maria Stella
de Azevedo Santos, ou Odé Kayode, mais conhecida como Mãe Stella de Oxóssi. A
quinta Iyalorixá do Ilê Axé Opó Afonjá em Salvador, além de Doutora Honoris
Causa da Universidade Federal da Bahia e da Universidade Estadual da Bahia, e
primeira ialorixá a ocupar uma cadeira na Academia de Letras da Bahia.
Antes de
explicar tais motivos é preciso que conheçamos quem foi esta persona, e quais
foram as suas contribuições enquanto mulher, negra, escritora, e de candomblé.
Fatores que levaram-na a ser um alvo triplo de preconceitos, estigmatização e
discriminação, tanto por causa da questão racial, quanto religiosa e de gênero.
Mãe
Stella de Oxóssi, nasceu no dia 02 de maio de 1925 na Ladeira do Ferrrão,
localizado no Pelourinho. Quarta filha de Esmeraldo Antigo dos Santos e
Thomázia de Azevedo Santos, foi iniciada no candomblé aos quatorze anos, no dia
12 de setembro de 1939. Se formou em enfermagem pela Escola Bahiana de Medicina
- área em que se aposentou - e ampliou o sentido desse cuidado ao se tornar a
quinta Yalorixá do Ilê Axê Opó Afonjá em 1976.
Mas sua estreia na literatura se deu em 1988, ao publicar seu primeiro
livro, em Salvador, “E Daí Aconteceu o Encanto”. Esta obra é uma narrativa
sobre a origem do Axé Opó Afonjá e de suas primeiras Yalorixás. Sua narrativa
se assemelha com a biografia da própria escritora. E em suas obras posteriores,
ela narra a realidade da sua comunidade e as experiências religiosas, deixando
rastros da sua real vivência nas ficções criadas.
Além de E
daí aconteceu o encanto, ela publicou: Meu tempo é agora, editora Oduduwa/SP,
1993; Òsòsi, o caçador de alegrias, editado pela Secult/BA, 2006;
Òwe-Provérbios, edição independente, Salvador/BA, 2007; Epé Laiyé, terra viva,
edição independente, Salvador/BA, 2009; e Opinião, editado pela EGBA,
Salvador/BA, 2012, e que reúne artigos escritos quinzenalmente para a coluna
Opinião do Jornal A Tarde.
Sendo uma
líder de grande influência no Candomblé, Mãe Stella teve como foco escrever em
suas obras sobre sua religião e costumes, objetivando perpetuar os ensinamentos
de seus ancestrais.
É válido
lembrar que a oralidade é um marco da cultura africana, de forma que os seus
ensinamentos e memórias são passados de geração em geração por meio da fala.
Com isso, Mãe Stella vivia uma tensão entre escrita e oralidade, pois era uma
tarefa complicada transmitir o conhecimento (que até então era oral) em palavras
escritas num livro. A respeito disso, afirma a escritora em seu livro Òsòsi:
“Quando os meus filhos me pediram para fazer este livro, eu achei a coisa mais difícil do mundo [...] Algum tempo depois, resolvi falar sobre o meu Òrìsà [...], pois entendi que a tradição passada de maneira oral é primordial, pois só através dela o àse é transmitido, mas que a linguagem escrita é um instrumento colaborador de transmissão de conhecimento[...] Pensando assim, recorri às minhas anotações, lembrei de conversas que tive com os mais velhos e resolvi fazer este livro.” (ÒSÒSI, 2006, p. 9).
O
candomblé, tema o qual mãe Stella tinha como foco em suas obras, é composto por nações diferentes,
que por conta da diáspora africana (chegada dos negros africanos escravizados
ao Brasil, colhidos de diversas regiões distintas) tiveram que se reestruturar
historicamente. No entanto, entender as nações de candomblé é, de forma
generalizada, perceber sua fala, forma e dialética.
Historicamente,
a sociedade sempre sofreu inúmeras influências de instituições importantes na
sociedade. Na religião, por sua vez,
sempre houve uma dicotomia, pois
ao mesmo tempo em que contribuiu positivamente, trouxe também aspectos
negativos para nós, ao ser uma das primeiras entidades a desenvolver o
etnocentrismo – termo usado para definir quando há um julgamento hierarquizado,
ao existir uma definição de que um aspecto cultural de um grupo seja superior
ao de grupos diferentes ou semelhantes. A Inquisição Católica mostra-se um dos
atos mais etnocêntrico no âmbito religioso, quando se dedica a supressão de
qualquer outro grupo que fosse suspeito a praticar outras religiões e crenças.
Uma
manipulação de símbolos étnicos (e nacionais) é uma das representações que
auxiliam na deturpação e negligência de distribuição dos valores dos indivíduos
em relação à sociedade. Dessa maneira, Mãe Stella utiliza da escrita para
conservar o conhecimento da sua religião. E afirma em entrevista que: “[...]
ninguém nunca pensaria que uma mãe de santo poderia chegar a ocupar este posto.
Isso mudou pela nossa luta, mas também por meus livros, porque o que a gente
não escreve o tempo leva”.
Uma das
fortes contribuições de Mãe Stella é a sua luta contra o sincretismo religioso.
Ela deixava claro que o
santo da igreja nada tem a ver com orixá de candomblé. Mãe Stella dizia em suas
entrevistas e conferências: “Já passamos do tempo de ter que esconder nossa
religião. Nossos antepassados, para não serem massacrados foram levados ao
sincretismo. É isto que queremos parar de fazer.”
Em 1983,
liderou um manifesto em defesa do fim dessa prática, onde teve o apoio formal
das grandes casas e seu manifesto contou com assinaturas de Mãe Menininha do
Gantois e Olga do Alakêtu, entre outras. Porém, na prática, somente o Opô
Afonjá e terreiros incipientes promoveram a separação entre ritos católicos e
do candomblé.
O
candomblé é uma religião africana que, como Mãe Stella pontua, mesmo que tenha
características brasileiras, essa não é a sua origem. É certo que a religião é
um importante espaço de formação de identidade, e segundo Maria Manuela
Ferreira Mendes, a formação da identidade resulta de um duplo processo ao nível
relacional e cultural. A definição de um nós,
de um reconhecimento e representatividade,
só se faz por relação de demarcação face a outros a quem nos identificamos ou distinguimos. Esse processo
envolve imagens e categorizações do universo social, sentimentos e valorações a
respeito de suas componentes, formas de expressão e códigos comunicacionais,
símbolos de identificação e práticas carregadas de simbolismo identitário.
Tendo em vista isso, a luta de Mãe Stella preza por essa afirmação identitária
dos praticantes de Candomblé e a desvinculação com o catolicismo, que confunde
a essência da religião para muitos.
Uma das
questões que Stella difundiu a vida inteira diz respeito a liberalidade e
autenticidade do candomblé como uma religião viva. No livro “Expressões
de sabedoria: educação, vida e saberes:Mãe Stella de Oxossi, Juvany Viana”, de
Nelson Lucca e Luis Felipe, especificamente no capítulo “Aqui, tudo é questão
de ensinamento” encontram-se falas da Yalorixá em entrevista, onde ela afirma:
“Não devemos misturar religião, para não cairmos em práticas sincréticas e atropeladas. O chamado sincretismo de justaposição foi uma tática originada para a existência da crença menos poderosa por não ser ligada ao poder. Hoje em dia, quando o Estado está desvinculado de qualquer religião oficial, a partir da Proclamação da República, falar em sincretismo por motivo de sobrevivência torna-se anacrônico, mas vou relembrar um passado sofrido.” (PRETTO e FELIPE, 2002, Pág. 31)
“Há alguns séculos o negro foi trazido para as Américas, em especial para o Brasil. Sem condições jurídicas, ele não era nada! (...) Apesar disso, o africano trouxe consigo a sua fé que permaneceu firme, apesar de ter sido batizado com outra crença, sido mudado de nome e sido apresentado a hábitos alimentares diferentes, vestimentas etc. Mas a fé sobreviveu imaculada, e o negro e seus descendentes se aproveitavam dos feriados religiosos dos cidadãos, dos senhores, para praticarem seus cultos. (...) Hoje em dia, a liberdade de pensamento e crença é possível para todos, não mais havendo justificativas inteligentes para as práticas sincréticas, que infelizmente existem como forma de manipulação do mais fraco, que nada mais é do que o chamado afro-brasileiro ou afrodescendente.” (PRETTO e FELIPE, 2002, Pág. 31-32)
Quando
ela foi a campo combater o sincretismo, dizendo que não é necessário apoio em
outra religião, levava em conta que o candomblé já tem todos os substratos
necessários de uma religião. Stella enfrentava não somente a ideia de que o
sincretismo é algo natural, como também traz uma maneira de fazer a fé ligada
exclusivamente a questão da africanidade, desconstruindo a ideia de que nós
brasileiros somos uma perpetuação dos brancos portugueses ignorando toda
relevância positiva histórica, cultural e religiosa advindas da África. Isto levou ela a percorrer o país e
manifestar a sua ideia fora do contexto nacional. Sem propagar ódio, explica
que o candomblé se basta, a sua tradição, o seu repertório litúrgico.
“Cada um pratica sua fé, é livre e pode ir muito bem de tarde à missa e de noite ao candomblé. Não deve é misturar! Existem pessoas que têm direito à busca e essa busca sempre é sincera e isto não tem nada a ver com sincretismo de justaposição, afinal as pessoas acreditam no que acreditam. Um dia descobrem o santo, ou o anjo, ou um orixá e a pessoa tem direito de procurar as coisas.” (PRETTO e FELIPE, 2002, Pág.32)
Ela
entendia que o sincretismo religioso entre o candomblé e o catolicismo nada
mais foi que uma forma de sobrevivência da religião que os antepassados,
escravizados no Brasil colônia, encontraram para permanecer cultuando os seus
orixás. Isto sob a imposição do catolicismo como “humanizador” e capaz de dar
alma aos negros “desalmados”, e a demonização/proibição do candomblé pelos
brancos europeus e católicos. Ou seja, o sincretismo era uma válvula de escape
dos escravizados para exercer suas crenças, porém de forma silenciada,
escondida por trás dos cultos aos santos católicos. Sendo assim, para Mãe
Stella de Oxóssi, esse silenciamento tem que ser quebrado. Assim como Aimé
Césaire fala em seu texto “Discurso sobre o colonialismo” que havia a crença de
uma superioridade científica, moral e também religiosa, dos brancos europeus em
relação aos outros.
Para além
da luta contra o sincretismo religioso, Mãe Stella também lutava contra - e
sofria com - a intolerância religiosa, uma herança dos nossos quase 400 anos de
escravidão, produto dessa historicidade e que afeta a vida de muitos
praticantes todos os dias. A sociedade contemporânea é dotada de muitas tensões
e nesse ambiente temos a não jovem e crescente aparição de condutas e práticas moralmente
condenadas, por serem incompreendidas.
A partir
desta realidade, Mãe Stella durante a II Conferência Mundial da Tradição dos
Orixás, propôs ação concreta a respeito da educação: o ensino da língua yorubá
e o ensino da tradição dos Orixás, e não somente da religião católica pois se você perguntar para a criança de que
religião ela é, vai dizer "católica" e na verdade é filha de gente de
Santo, mas ela tem medo, ensinaram errado para ela, assim ela dizia.
Às vezes, a pessoa discrimina, porque não conhece. Precisa conhecer para saber o que é. O dia em que alguém se dedicar a estudar profundamente o candomblé... ninguém nunca abriu uma escola da teologia africana! Tem a teologia católica, a teologia protestante, mas a africana ninguém nunca se dedicou a estudar profundamente. O dia em que alguém se dedicar profundamente a estudar o que é a teologia, como funcionam os dogmas, qual é essa liturgia e tudo mais... quando se fala em candomblé, pensa-se apenas naquelas festas de barracão em que todos dançam, mas não é isso. O candomblé é muito mais profundo! E é por causa do candomblé que nós estamos aqui agora conversando! (PRETTO e FELIPE, 2002, Pág. 38)
Para
tentar mudar esse cenário de ignorância a respeito da religião, Mãe Stella se
fez também ligada à educação, pois ela se empenhou em manter uma escola dentro
do terreiro, a escola Municipal Eugênia Anna dos Santos que conta com 350
alunos, dos 5 aos 14 anos e turmas até a quarta série. E que em sua base curricular
também promovem a construção do conhecimento da cultura africana às crianças,
com o recorte de não ser exclusivamente para pessoas do candomblé, nem alunos
ligados a tradição religiosa do candomblé.
“Era, como é até hoje, uma escola de porta aberta, em que se ensina a cultura Iorubá, a cultura baiana, e o que é mais louvável é que dentro do conjunto de alunos que têm ali, muitos são evangélicos, e não se acanham de frequentar aquele ambiente. Ou seja, uma visão inteiramente ligada a educação de modo que pessoalmente poderia dizer da sua maneira gentil de tratar as pessoas, da forma elegante de aconselhar as pessoas”
Fora
isso, também participou da III Conferência Mundial de Tradição dos Orixás e
Cultura, em 1986, em Nova Iorque , Estados Unidos. E Em 1999, conseguiu o
tombamento do Ilê Axé Opô Afonjá pelo Instituto do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional (IPHAN), órgão ligado ao Ministério da Cultura. Em 1981,
construiu um museu Nagô na roça do axé, como uma forma de manter viva a
tradição e criou em 2015-16 o Aplicativo de Mãe Stella – para as pessoas que
quiserem saber mais sobre o Candomblé.
Mãe Stella de Oxóssi morreu no dia 27 de dezembro de 2018,
no Hospital Incar, em Santo Antônio de Jesus, no Recôncavo baiano, por causa de
uma infecção generalizada (sepse). Desde 2017, Mãe Stella estava morando na cidade de Nazaré das Farinhas,
a cerca de 210km de Salvador. Ela se mudou de Salvador para lá depois de um
desentendimento entre filhos de santo do terreiro Ilê Axé Opô Afonjá, na
capital, e a companheira dela, Graziela Dhomini. Os desentendimentos não
cessaram por aí. Após sua morte, o corpo de Mãe Stella foi alvo de uma disputa
judicial entre o terreiro e sua companheira. Ambos reivindicavam onde a líder
religiosa deveria ser enterrada. A Sociedade Cruz Santa, entidade civil que
mantém e administra o Ilê Axé Opô Afonjá, ingressou duas petições no Tribunal
de Justiça da Bahia solicitando o translado do corpo da ialorixá para Salvador.
Em contrapartida, sua companheira lutava pela permanência do corpo em Nazaré,
onde em vida, segunda ela, a ialorixá teria demonstrado a vontade de ser
enterrada lá. Motiva por meios judiciais, o corpo foi trazido para a capital.
Em sua decisão, a juíza Caroline Rosa de Almeida Velame Vieira alegou que a
realização do velório e sepultamento da ialorixá fora do terreiro seria “uma
afronta a toda a uma tradição religiosa africana e à sua comunidade”. Na
tradição da religião, o sepultamento de uma ialorixá deve ser precedido do
axexê, ritual fúnebre do candomblé que deve acontecer na presença do corpo da
líder religiosa e dentro do espaço no qual ela foi sacralizada, no caso, o
terreiro Ilê Axé Opô Afonjá.
O
sepultamento da ialorixá em Salvador também foi defendido pela OAB (Ordem dos
Advogados do Brasil), seccional Bahia, por meio de uma nota emitida pela
Comissão Especial de Combate à Intolerância Religiosa.
No dia 09
de janeiro de 2019 foi inaugurada uma estátua em homenagem a Mãe Stella de
Oxóssi, localizada na via que possui o nome da Ialorixá, aqui em Salvador.
Feita pelo escultor Tatti Moreno, a escultura foi confeccionada mede 8,50 de
altura sendo a figura do Orixá Oxóssi com 6,50 m, a de mãe Stella, com 2
metros. Essa escultura é um símbolo de imenso valor representativo e conquista
de espaços do candomblé, enquanto religião estigmatizada durante séculos. Mas,
o assustador é que quanto mais essas pessoas ganham vozes e representatividade,
o número de respostas agressivas e conservadoras, em forma de violência,
aumenta.
Segundo
uma notícia publicada no dia 23/01/2019 pelo site do Ministério Público do
Estado da Bahia, o ano de 2019 registra um aumento da intolerância religiosa no
estado, a qual somente na Promotoria de Justiça de Combate ao Racismo e à
intolerância religiosa, em Salvador, foram registrados em janeiro (até a data
da publicação) 13 casos de intolerância religiosa. O número é mais que o dobro
da média mensal de aproximadamente seis casos notificados no ano passado e o
triplo do contabilizado em janeiro de 2018.
Salvador, mesmo sendo a cidade mais negra fora da África,
contraditoriamente apresenta esses índices elevados em racismo e em dados de
intolerância religiosa. Haja vista lembrar que a intolerância tem como
principal alvo as religiões de matrizes africanas, o que nos permitir entender
esse fato como “racismo religioso”.
Outros
dados que comprovam essa realidade são: de acordo com a Secretaria de Promoção
da Igualdade Racial da Bahia (Sepromi), entre 2017 e 2018 houve um aumento de
124% nos crimes de intolerância religiosa cometidos no estado. Já na série histórica
dos últimos seis anos, esse crescimento chegou a 2.250%. E desde que foi
criado, em 2013, o Centro de Referência de Combate ao Racismo e à Intolerância
Religiosa Nelson Mandela já registrou 153 casos de intolerância, 272 de racismo
e 57 ocorrências relacionadas ao tema. Do total dos registros de intolerância
religiosa, 16 correspondem a ataques a terreiros.
Alguns
desses casos foram as ofensas nas redes sociais à Mãe Stella quando seu nome
batizou uma avenida na capital baiana, e o ato de vandalismo à Pedra de Xangô
(um patrimônio cultural da religiosidade afro-baiana reconhecida oficialmente
pelo Município de Salvador). Nesse cenário, o direito tem o dever de entrar
como defensor da primazia da dignidade da pessoa humana, sua liberdade de
crença e cultos religiosos.
Sendo assim, a partir do conhecimento e análise da vida de
Mãe Stella de Oxóssi e suas contribuições sociais, propomos a leitura de suas
obras à toda comunidade acadêmica, em especial da Faculdade de Direito da UFBA,
local do qual estamos a falar. Isto porque acreditamos na proposta de uma
universidade mais aberta e desconstruída na contemporaneidade, que atenda às
demandas sociais e, enquanto universidade pública, pratique a função de
garantir e estender o conhecimento à população.
A presença de Mãe Stella engrandece o currículo de uma
Faculdade de Direito por razões variadas: pela sua forte presença, pela sua
sabedoria, pela sua liderança e luta nas questões ligadas aos afrodescendentes
na Bahia. Aliás, o reconhecimento a Mãe Stella ultrapassa os limites baianos,
haja vista a sua indicação e escolha para o Prêmio Multicultural Estadão 2001,
na categoria fomentador, como uma das personalidades do mundo da cultura
afro-brasileira. Sua história de resistência, propagação de conhecimento sobre
uma religião que tem seus adeptos, na sociedade racista brasileira, sofrendo
preconceito todos os dias, merece visibilidade na construção de uma
universidade disposta a acolher as manifestações do seu entorno. Afim de
conseguirmos uma sociedade de diálogo, respeito, valorização e proteção.
Além de que, a formação dos juristas brasileiros tem de
abarcar todos os ramos das ciências sociais. Visto que o direito é uma ciência
criada a fim de ser um regulador social, e para isso é necessário que se estude
a sociedade em si, os seus conflitos e como eles se estruturaram durante a sua
história. A formação da sociedade brasileira historicamente se dá com o
genocídio, epistemicídio, estupro e dizimação da população negra. E como
sequelas disso, convivemos com o racismo (estrutural e institucional), a
marginalização e a intolerância religiosa impregnada em nossa cultura e
ideologias até hoje.
Então, o problema que nós (futuros juristas) temos que
levantar é: Se há no Brasil, todos os dias, casos de mortes de pessoas com cor
e religião específica, como o Direito, regulador social, deve atuar na
dogmática normativa (mas de forma eficaz na prática) para contornar essa
realidade? Como podemos garantir a laicidade do Estado em sua praticidade real?
Em tese, temos o artigo 5° da Constituição Federal que
garante, no rol dos Direitos Fundamentais, o direito à liberdade de crença. Em
seu inciso VI, prevê: é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o
livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção
aos locais de culto e a suas liturgias. Além de termos a lei 9.459,
de 1997, que
consideram casos de discriminação ou preconceito religioso, as violações a
patrimônios e monumentos religiosos. Ou seja, praticar o crime de intolerância
religiosa gera punições penais e cíveis. A responsabilização penal fica a cargo
do Ministério Público, sendo necessária a intervenção do ofendido, por meio de
representação criminal. Já no caso cível, cabem ações indenizatórias. Mas será
que só o punitivismo resolve? Ou é preciso que pensemos num outro método de
resolução da questão?
Logo, o
trabalho de manutenção e resistência da identidade dos terreiros de candomblé
com seus projetos educacionais, a difusão de conhecimento, devem ser fonte de
referência para os juristas brasileiros e principalmente baianos, seja no papel
de legislador ou de aplicador do direito: ter como base a não omissão das
manifestações culturais das religiões de matriz africana, as problemáticas em
volta dela e a devida proteção real dos seus praticantes.
Atenciosamente,
Daiane Larissa Santos, Flora Fiúza, Leilanne Guedes e
Maristela Morais.